Publicado por: Eduardo Bezerra | Fevereiro 18, 2013

Fatos da incoerência conveniente (ou, ditadura é quando você manda em mim, democracia é quando eu mando em você)

Até pensei ver as manifestações nos aeroportos onde a dissidente cubana Yoani Sanchez passou. É direito até dos imbecis de qualquer país democrático. O que me surpreendeu mesmo, e pedi pra não ter facebook para ler, foi a reverberação de pessoas que eu não imaginava pensar assim. O primeiro fato diz respeito a estar em um país que saiu de uma ditadura há menos de trinta anos. Devíamos lembrar como é ruim ser privado de liberdade e ainda ser propagandeado lá fora como um lugar bacana e perfeito. Nesta época, tudo o que se desejava era o direito de expressar uma opinião, qual fosse ela. Sem ser preso, sem ser morto. Liberdade para não ser censurado. Naquela época o argumento é que aqueles que lutavam para serem livres eram financiados pelo comunistas. A maioria fazia suas lutas sem apoio de ninguém, simplesmente por acreditar.

Depois porque deveria ser obrigação de qualquer libertário, qualquer defensor do livre direito de ir e vir, que pessoas não condenadas por crime algum, tivessem o direito de ir para onde quisessem. Sair de seu país, inclusive, caso o seu destino de viagem a aceite. Ter a vida espionada, pressionada por autoridades, ver a família ameaçada; tudo isso deveria ainda estar bem fresco em nossa memória. Muita gente que hoje é representante político passou por isso. Nossa presidente passou por isso. Não importa quem financia o blog ou o que ela escreve. O “democrático” governo cubano nunca daria oportunidade dela desenvolver suas ideias livremente com seu apoio e financiamento.

A liberdade de expressão, diferente do que muitos transpareceram deve valer para qualquer expressão, não apenas a que defendemos. As pessoas devem nascer livres para decidirem ser o que quiserem, desde que este direito não invada o do outro. Conceito básico. Não sou eu, ou você, ou ninguém, a decidir qual a expressão “válida”. O que tem o governo revolucionário de Cuba de tão divino que não pode ser questionado? É óbvio que boa parte da população cubana rejeita Yoani. O povo cubano só tem acesso irrestrito a uma face da moeda, a do governo (os mais velhos, lembram como era aqui?) Aqui, por exemplo, uma boa parte do povo gosta de Big Brother, acha as escolas de samba do Rio apenas uma bela e inofensiva expressão de cultura e consome música merda. Isso porque é ao que eles têm acesso.

Não tenho opinião formada sobre a dissidente. Nunca li seu blog nem nada do que ela escreveu. Tudo o que sei é pelo que me contam. A maioria das pessoas que a critica nunca leu uma linha do que ela escreveu, está falando e escrevendo porque alguém contou. Pouco me importa. Só pensei que as pessoas mais aculturadas, no momento da necessidade, ia desfiar argumentos interessantes e não o velho rosário conspirativo que, sinceramente, já encheu o saco. Cresçam. Apareçam. Façam a diferença. Saibam defender aquilo que é de sua concordância, mas saiba garantir que as disposições em contrário, como diz a lei, sejam respeitadas. Um dia você pode voltar pro lado de lá.

Já fui um adolescente deslumbrado a sonhar a cartilha cubana. Brilhar os olhos com as histórias da Revolução. Ainda tenho um belo boné verde oliva com a bandeira deles, mas substituí Che Guevara em sua pose mitológica pelo não menos revolucionário Seu Madruga. Acho bonito ver que há pessoas que ainda acreditam nesse ideal, elas ajudam a fazer um mundo melhor tanto quanto eu que não consigo mais dormir este sono. Mas não quero calá-los, nem permito que me calem. Nunca mais. Muita gente morreu para que eu pudesse escrever isso.

Esse texto me fez lembrar a frase lá de cima. É do genial Millôr Fernandes. Ditadura é quando você manda em mim. Democracia é quando eu mando em você.


Deixe um comentário

Categorias